domingo, 20 de setembro de 2009


Milagres -- Na década de 60, a Igreja mudou de orientação, mas Frei Damião não quis saber dos ensinamentos do Concílio Vaticano II, que pretendia que os padres adotassem um comportamento mais contemporâneo e permeável aos problemas sociais. Foi então proibido de fazer pregação em várias dioceses do Nordeste. Quando não estava falando, Frei Damião passava até doze horas ouvindo pecados. "Todos devem confessar seus pecados, grandes ou pequenos. Quem não tiver pecado novo repete os já confessados", exortava. Mais do que por falar duro e ouvir com paciência, Frei Damião movimentou multidões em vida e na morte em função dos inúmeros milagres que se atribuem a ele. O Instituto de Teologia do Recife catalogou mais de oitenta.

Conta-se que, em 1936, em Araripe, no Ceará, Damião teria recebido uma senhora de nome Elvira. Ela foi pedir conselho a respeito do marido, que vivia com outra mulher. O frade mandou chamar o marido e pediu-lhe que deixasse aquela vida. "Não deixo", respondeu o adúltero. E o frade questionou: "Deixa não?" Com quinze dias, o homem, que era forte e sadio, teria morrido. Outro milagre. No interior de Pernambuco, o frade convidou um fazendeiro a se confessar. O homem não aceitou, dizendo que poderia confessar-se noutra hora. No dia em que Damião estava arrumando a sua bagagem para viajar, um portador foi chamá-lo porque o fazendeiro estava morrendo. O frade mandou que o vigário da paróquia atendesse ao chamado. Quando o padre chegou, o fazendeiro estava morto.

Os milagres atribuídos a Frei Damião podem ser classificados em três categorias. Havia os milagres de salvação, como a cura, a conversão e o sucesso repentino. Outra categoria era formada pelos milagres de domínio da natureza, pois, garante-se, Frei Damião fez chover mais de uma vez. Os milagres mais impressionantes eram os do castigo, pois ele decretaria a morte súbita, como no caso do marido infiel, ou transformaria pessoas em animais. Em Juazeiro do Norte, no Ceará, pai e filha conviviam feito casal. Frei Damião chamou-os a sua presença: "Separe-se desta filha ou os dois estão condenados ao inferno". O homem recusou. "Separe-se dela ou faço você berrar como um bode e ela como uma cabra", advertiu Damião. O homem insistiu na recusa. Eis que passaram a berrar como bode e cabra.

A vida austera que levava suscitava ainda mais o imaginário popular. Muitos acreditam que ele não comia nem dormia. Através da literatura de cordel, os poetas populares trataram de divulgar seus feitos. Damião tornou-se um mito. Não surpreende que os políticos vissem nele a capacidade de realizar outro milagre: garantir eleições. Muitos tiraram fotos ao seu lado, como o vice-presidente Marco Maciel ou o prefeito do Recife, Roberto Magalhães. O missionário nunca pediu votos. Em 1989, Damião subiu ao palanque do candidato Fernando Collor. Na semana passada, Collor deixou o auto-exílio em Miami para aparecer ao lado do padre. Collor pediu para abrir o caixão e beijou a testa do velhinho. Depois, secou as lágrimas com um lenço.

Dom José Cardoso Sobrinho, entusiasmado com a comoção popular, prometeu acelerar em Roma o processo de beatificação do frade. Ele não tem esse poder, mas os fiéis gostaram de ouvir. Os capuchinhos já estão preparando os documentos para enviar a Roma. O processo passará pelo árduo caminho da burocracia vaticana e não há garantia nem tempo previsto para a canonização. Para os nordestinos, entretanto, isso vale muito pouco. No sertão, Frei Damião não precisa receber a aprovação da Igreja Católica. Ele já é santo e faz milagres. Seu túmulo, no convento de São Félix no Recife começou a ser visitado por romeiros.


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